Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Bibliofilia e Bibliomania em Foco

LANÇAMENTO


"Não faço nada sem alegria", esta divisa de Montaigne viajou por séculos, atravessou o Atlântico e ancorou em um belo ex-libris de uma biblioteca não menos bela e cheia de personalidade, cujos livros repousam hoje na Universidade de São Paulo. Antes, porém, eles aguardavam ser descobertos por um leitor atencioso que fez do colecionismo a alegria de viver. Assim a imagem de José Mindlin rodeado por livros foi se cristalizando, até se confundir com o próprio livro. 
O belo volume organizado por Plinio Martins Filho e J. Guinsburg vem celebrar a memória deste grande amigo do livro, que neste ano completaria um século de existência. A Loucura Mansa de José Mindlin reúne relatos dos mais variados que vão alinhavando, linha a linha, capítulo a capítulo, uma biografia marcada pela cordialidade, coerência intelectual e pela doação incondicional aos livros. 
Como relata Antonio Candido, 
Não espanta me haver dito certa vez que, embora fosse difícil avaliar, calculava ter lido entre sete e oito mil volumes. A leitura incessante foi na sua vida inseparável do amor pelo livro, que ele qualificou de maneira pitoresca como 'loucura mansa' (p.34). 
Sem dúvida, a biblioteca de Mindlin - não apenas a Brasiliana, constituída em parceria com Rubens Borba de Moraes, mas os outros tantos livros que não compunham esta seção - se formou na mansuetude da vida. Da vida do leitor que não teve pressa, que soube folhear no seu tempo os livros que possuiu.
Mas que soube agradar e ser, portanto, um parceiro muito agradável nas tertúlias bibliográficas que empreendeu em sua bela sala de estar rodeada por um jardim silencioso e agradável na casa da rua Princesa Isabel. Aliás, a comunhão da casa com a biblioteca e do leitor com o jardim se tornara tão forte, que surge aquele gostinho amargo de nostalgia quando se pensa que a Brasiliana bem poderia ter descansado ali, naquele templo acolhedor, sob os auspícios da Universidade. Afinal, uma casa de livros não constitui patrimônio a ser desmembrado sem a dor inevitável de uma grande perda.
De sua personalidade acolhedora, narrativas várias de Marisa Lajolo, Ana Luisa Martins, Cristina Antunes, Eliza Nazarian ... essas mulheres seduzidas pela boa prosa e pela bela biblioteca dos anfitriões - "dona Guita também merece um livro"- vão nos dando notícias.
Delícia folhear as páginas e construir esses muitos Mindlins-livros que se desenham nas entrelinhas... Delícia passear pelas fotografias cuidadosamente reunidas por Cristina Antunes e Nádia Gotlieb.
O livro inteiro é uma delícia e diz muito desta loucura mansa de passear pelos livros... pelos homens-livros... por um genuíno amante do livro.
Imperdível!

LANÇAMENTO:

LIVRARIA JOÃO ALEXANDRE BARBOSA

Prédio da Brasiliana, 

no campus Butantan da Universidade de São Paulo

Dia: QUINTA-FEIRA, 04/12/2014

Horário: 18 HORAS

A Loucura Mansa dos Encadernadores
Encadernação de Isabel Sewaybricker, da ABER
Fotografia de Cinzia Damiani de Araújo

Nunca antes na história da Universidade de São Paulo volumes rigorosamente encadernados, compondo leituras múltiplas de um só livro, se viu reunida em uma livraria, numa única noite de lançamento.
A loucura mansa do leitor e colecionador Mindlin se estende para o grande evento que acompanha um acontecimento por si só marcante.
Explico: serão expostos e vendidos duzentos volumes especiais de A Loucura Mansa de José Mindlin
Parte da contribuição traz a marca e a elegância das encadernações realizadas por Luís Fernando Machado. O uso de papéis marmorizados, dourações clássicas, cores densas e rigor no acabamento são suas características mais notáveis. A leitura que o encadernador imprime à obra organizada por Plinio Martins Filho e J. Guinsburg faz jus ao homenageado. Encadernações clássicas que nos remetem diretamente à sala de estar onde Mindlin se deixa fotografar.
A ABER, por seu turno, contribuiu com encadernações variadas que nos remetem a tempos, técnicas e gostos os mais diversos. A exemplo desta, que se exibe na fotografia ao lado. Artistas de peso concorrem para o enobrecimento deste livro nobre.
Vale lembrar que a ABER foi fundada por dona Guita Mindlin e reúne hoje os maiores profissionais do país. Fato da maior importância, pois reforça o valor simbólico da exposição preparada para a noite do lançamento.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

I Jornada Rubens Borba de Moraes

Brasiliana, Brasilianas



Um livro raro tem personalidade. Uma obra, sua história.
Rubens Borba de Moraes


Nos anos recentes, com a difusão das bibliotecas digitais, temos observado a generalização crescente da expressão “Brasiliana” para designar uma variedade de acervos e  coleções de livros considerados raros. No âmbito da Universidade de São Paulo podemos enumerar algumas coleções inestimáveis pertencentes a este campo de interesse. A Biblioteca Brasiliana “Guita e José Mindlin” é fiel depositária das obras raras que pertenceu a Rubens Borba de Moraes e aos patronos desta novíssima instituição. Com trajetória mais longeva, citamos ainda a guarda de coleções inestimáveis pertencentes ao Instituto de Estudos Brasileiros, à Faculdade de Direito do Largo São Francisco e ao Instituto de Biociências. Por si só a fortuna bibliográfica da USP, senão, suas Brasilianas já nos convidariam a revisitar o legado de nosso homenageado, considerando seu lugar incontornável na historiografia.
O colóquio que inaugura a Semana Rubens Borba de Moraes não poderia, portanto, propor outra temática.  “Brasiliana, Brasilianas” buscará refletir sobre o papel de RBM na formação de coleções especializadas – públicas e particulares –  assim como pretende chamar a atenção para os múltiplos desdobramentos dos estudos de crítica bibliográfica na pesquisa científica contemporânea.

Segue a Programação. Participem!


domingo, 2 de novembro de 2014

Semana da Biblioteca da Faculdade de Direito

O acervo original da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo teve seu primeiro catálogo organizado em 1825, antes mesmo da abertura do curso jurídico no Largo São Francisco. 

Constitui, nesse sentido, um monumento preservado no coração da cidade. Mais do que isso, trata-se da memória viva das práticas intelectuais e de leitura do burgo planaltino.

Confiram a programação e participem!


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

CAPITULARES, SEGUNDO GUSTAVO PIQUEIRA

DESIGNER PREMIADO NO BRASIL E NO EXTERIOR REINVENTA ARTE MULTISSECULAR

O que são as capitulares?

Segundo o Dicionário do Livro, de Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (Edusp, 2008):
capitular [consiste] em uma compilação das atas legislativas emanadas dos reis merovíngios e carolíngios franceses. O nome provém da sequência dos capitula ou pequenos capítulos de que eram compostas [...]
E, como desdobramento dessa função primordial das leis régias que se fundam em uma tradição cristã, reabilitada no humanismo carolíngio, também as letras que iniciam um capítulo, ou um título, ou ainda um nome próprio, ou lugar, foram batizadas de capitulares.
Bem sabemos que a escrita pertence ao século, ainda que seu conteúdo seja de natureza sagrada. Nasce desta simbiose entre a esfera celeste e a terrena uma tradição multissecular de iniciar textos nobres (religiosos, depois, profanos) com belas capitulares desenhadas com apuro artístico e preenchidas com cores raras, provenientes de gemas preciosas, tal como o azul tirado do lápis-lazúli, o verde da esmeralda, sem contar as folhas de ouro, motivo de ostentação de tantos manuscritos sacros.
Gustavo Piqueira segue esta tradição das belas capitulares desenhadas com graça e estilo. Refunda com o recurso da patrística o significado profundo de transformar o livro em objeto sagrado, em obra celestial. Porém, como nem tudo o que reluz é ouro e o mundo gira... as inferências seculares no meio religioso se tornaram matéria de ruptura, senão, de resposta (esculachada?) a um mundo sem fé e sem poesia. Tudo o que aí está se transforma em mercadoria.

Donde nasce a riqueza do livro Mateus, Marcos, Lucas e João ? 

Da capacidade do artista de criar a beleza através de signos prosaicos (profanos) tendo como suporte um elemento nobre da tradição artística dos códices manuscritos, ou seja, as capitulares.
Do escritor subversivo e consciente da velha máxima já bastante desgastada, mas que nunca se torna demasiado lembrar, de que "tudo o que é sólido desmancha no ar".
Da precisão do designer ao tirar nobreza de objetos totalmente prosaicos. Como alquimista, ele sabe que tudo é fake, desde de que não se permita olhar além do que os olhos possam alcançar.
Enfim, temos aqui um livro raro (ou dois?), original (ou plágio?), como há muito não se via no mercado das artes do livro.
E uma exposição para lá de sofisticada a realçar ainda mais a importância desta cidade do livro imersa em nossa já tradicional cidade universitária.


INAUGURAÇÃO e LANÇAMENTO DO LIVRO

29 DE OUTUBRO, QUARTA-FEIRA

LIVRARIA JOÃO ALEXANDRE BARBOSA - SALA BNDS
NO PRÉDIO DA BIBLIOTECA BRASILIANA GUITA E JOSÉ MINDLIN
CIDADE UNIVERSITÁRIA

* Os cem primeiros compradores do livro ganham um pôster de uma capitular impressa em serigrafia.

PARA SABER MAIS, ACOMPANHE NA INTERNET:

IMPERDÍVEL!


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O Livro à For da Pele

O que torna o livro único?

A posse, o amor reservado a um exemplar, a paixão, o fetiche, diriam os bibliômanos, são componentes que justificam toda a forma de luta em nome da posse de um exemplar raro.

Imagem de Nicolas Taffin para Livro, de Michel Melot
(Ateliê Editorial, 2012)

Já foram evocadas nesta coluna algumas reações extravagantes – para se dizer o mínimo – provocadas pelo livro. Fantasias, delírios e até mesmo crimes tiveram neste objeto seu principal impulso. Donde a ideia do livro como veículo de fruição, para evocar um clássico da literatura histórica e policial de Umberto Eco. Em O Nome da Rosa (1980), os leitores que ousaram folhear um volume proibido, cujo conteúdo fatalmente os conduzia ao riso, foram envenenados pelas próprias páginas.
Também o livro-corpo tematizado por Peter Greenway, no filme Pilow Book (1996), explora esta comunhão entre o leitor e o objeto possuído, através do uso da pele humana como suporte da escrita. Escrever sobre o corpo da mulher amada faz dela um livro único. Fazer da pele humana um livro constitui uma forma radical – e tradicional – de individualização do objeto.
Notemos que os dois exemplos conferem uma intimidade rara ao ato da leitura, este momento sublime da posse. Folhear um livro constitui gesto supremo da comunhão dos corpos.
No corpo do livro se concentram os principais atributos que os tornam únicos em meio a outros exemplares. Encadernações raras enobrecem o livro. Em pergaminho ou em couro, são muitas as modalidades, das mais sóbrias às mais ousadas. O couro – ou a pele – é material flexível e resistente o bastante pare se moldar a toda sorte de exigências e gostos. O uso da pele humana nas encadernações se apresenta, nesse sentido, como expressão plena da fusão entre o corpo e a alma em um só objeto. Ela desafia a perenidade do corpo, da carne, ao selar para sempre seu destino ao da alma do livro, seu conteúdo. É o que nos faz crer as recentes descobertas realizadas em Harvard de livros encadernados com pele humana. Um volume em especial reforça esta ideia. Des destinées de l’âme, publicado em 1879, por Arsène Houssaye (1814-1896), como o próprio título indica, volta-se para um dos grandes mistérios da humanidade, a saber, o da finitude e, por extensão, o da possibilidade da vida após a morte. Uma anotação datilografada, inserta no exemplar, indica que o livro foi encadernado com a pele da "parte de trás do corpo não reclamado de uma paciente em um hospital psiquiátrico francês que morreu repentinamente de apoplexia". Do primeiro proprietário do volume, amigo, aliás, do autor, o médico de nome Bouland, a síntese entre corpo e alma do livro não poderia ser expressa com palavras mais precisas: 

"um livro sobre a alma humana merecia ser inscrito sobre a pele humana".

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Sai no Brasil O Sonho de Polifilo


Um livro, um sonho

Homenagem a Claudio Giordano, bibliófilo e tradutor

“Se desejas, leitor, conhecer brevemente o que está contido nesta obra, saibas que Polifilo conta nela  que viu em sonhos coisas admiráveis, e que a intitula com palavra grega, luta de amor com sonhos ”.



Uma longa viagem narrativa, publicada em 1499, parecia fechar com chave de ouro a era dos incunábulos – nome dado aos livros impressos com tipos móveis no período de 1440 a 1501. É bem verdade que no primeiro meio século da grande invenção de Gutenberg a nova arte buscara honrar os mais belos códices manuscritos até então conhecidos. E eles eram tantos, feitos com tal graça, que custava a acreditar que braços mecânicos fariam subsistir aquilo que mãos hábeis e divinas se atreveram a criar.
Hypteronomachia Poliphili, ou simplesmente Sonhos de Polifilo constitui um exemplar raro. Foi impresso em Veneza, na oficina tipográfica de Aldo Manuzio. Iluminam o texto 38 gravuras talhadas de forma engenhosa, por artista ainda desconhecido. Sabe-se apenas que a finesse dos traços, os quais resultam em cenas absolutamente dinâmicas e naturais teria despertado a atenção de grandes artistas, por séculos a fio, dentre eles Aubrey Beardsley (1872-1898), com suas musas longilíneas e sensuais.
Nesta história escrita em toscano, latim, grego e alguns neologismos do autor, o amor sensual atinge seu clímax no encontro do herói com as musas. Mas este se choca com o amor ideal, distante, senão, impossível... o amor de Polia – cuja voz fará eco no segundo livro. Um confronto, uma luta, uma viagem, enfim, “onde se ensina que tudo quanto é humano não passa de sonho”, segundo advertência do próprio autor.
Já era o tempo de conhecermos uma edição vertida para o nosso vernáculo. Coube a Claudio Giordano, este amante dos livros, a nobre tarefa. O tradutor premiado de Tirant lo Blanc acaba de trazer a lume dois belos volumes in-folio: no primeiro, o texto traduzido; no segundo, um fac-símile da primeira edição (aldina) pertencente à coleção Mindlin. Aos interessados, os dois volumes acabam de ser publicados pela Imprensa Oficial de São Paulo.
O tradutor toma como base o texto em espanhol. Um “tradutor, traidor”, pois como ele mesmo explica, “se Jorge Luis Borges pôde dizer que existirão tantas Mil e Uma Noites quantos forem seus tradutores, com muito maior razão se pode aplicar esta assertiva à de Colonna (ou será de Alberti?)”. A pergunta tem razão de ser: atribui-se lhe a autoria por meio de um acróstico formado pela combinação das letras que compõem o início dos trinta e oito capítulos que integram o livro: Poliam frater Franciscus Colonna peramavit (“o irmão Francesco Colonna adorou Polia”). Uma hipótese há séculos aceita, mas, sob suspeição – o que só aumenta o mistério em torno desta obra.

“E, contada a história com digníssimos pormenores e detalhes, ao canto do rouxinol, Polifilo despertou. Adeus.”